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AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS

 

VOTO

Em deliberação, a proposta de instrução normativa destinada a orientar as unidades técnicas da Agência sobre os critérios e procedimentos a serem observados em relação à documentação de propriedade, transmissão de titularidade e afretamento a casco nu de embarcações na análise de requerimentos de autorização para operar como empresa brasileira de navegação, bem como de aditamentos e de comunicações formulados por empresas brasileiras de navegação.

Em síntese, o objetivo da instrução normativa proposta é especificar qual seria a documentação comprobatória a ser exigida em casos de inclusão ou alienação de embarcações, como dispõe o artigo 16, § 2º, da Resolução Normativa 05-ANTAQ, in verbis:

Art. 16. Ao iniciar a operação, a EBN deverá informar à ANTAQ, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, toda embarcação brasileira empregada pela empresa nas navegações de apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso e, para tanto, a EBN deverá encaminhar à ANTAQ, no que couber, os documentos listados no § 1º do art. 5º desta Norma.
(...)
§ 2º A inclusão ou alienação de embarcação deverá ser comunicada por meio de envio de cópia de documentação comprobatória.

A edição dessa norma objetiva aperfeiçoar a padronização de exigências previstas em lei e normativos, sem inovar na ordem jurídica, de modo a orientar o corpo técnico da Agência e gerar maior transparência, previsibilidade e segurança jurídica ao setor regulado.

Após instrução, os autos foram submetidos à apreciação da Diretoria com duas minutas de instrução normativa, uma delas considerada mais conservadora (SEI 1529065), recomendada pela Superintendência de Regulação e Procuradoria Federal junto à ANTAQ, e outra mais flexível e liberal (SEI 1529024), endossada pela Superintendência de Outorgas.

O único ponto que diferencia as duas normas propostas é o artigo 6º, presente apenas na minuta sugerida pela SOG, que permite uma espécie de cadastro provisório e condicional de embarcações na frota de empresas, desde que acompanhado da última versão do documento de propriedade e de comprovante de protocolo de requerimento junto à Marinha do Brasil. O objetivo desse dispositivo é, de forma sintética, mitigar eventuais adversidades decorrentes do prazo para a emissão de documento definitivo por parte da autoridade marítima. Esse assunto será devidamente abordado adiante neste voto.

Para uma boa compreensão da instrução normativa, serão tratados inicialmente os pontos em comum nas duas minutas submetidas à consideração da Diretoria.

De plano, registro que promovi alguns ajustes essencialmente textuais para incorporar as sugestões da Procuradoria Federal junto à ANTAQ (v. § 21 da Nota Jurídica 00016/2022/NCA/PFANTAQ/PGF/AGU, bem como as propostas de modificação apresentadas pelo Diretor Wilson Pereira de Lima Filho após ter pedido de vista dos autos. A versão final, que consolida todos esses ajustes, está no documento Instrução Normativa-MINUTA AST-DG 1951228.

O artigo 1º visa delimitar o escopo da norma, que é orientar a setorial de outorgas quanto à documentação de propriedade, transmissão de titularidade e afretamento a casco nu de embarcações, ressaltando-se que não são objeto da norma os documentos afetos à segurança da navegação.

Art. 1º Dispor sobre critérios e procedimentos a serem observados pela Superintendência de Outorgas (SOG) em relação à documentação de propriedade, transmissão de titularidade e afretamento a casco nu de embarcações quando da análise de processos de requerimento de autorização para operar como empresa brasileira de navegação, bem como de processos de aditamento e de comunicação formulados por empresa brasileira de navegação.

Parágrafo único. Não é objeto desta Instrução Normativa a documentação referente à segurança da navegação.

O artigo 2º relaciona os documentos aptos a comprovar a inclusão ou alienação de embarcações, em linha com o disposto na Lei 7.652/1988

Art. 2º A documentação comprobatória de inclusão ou alienação de embarcação consiste na apresentação de:

I - Título de Inscrição de Embarcação (TIE), acompanhada da Autorização para Transferência de Propriedade validada pela Capitania dos Portos, para embarcações de porte menor que cem arqueação bruta (AB);

II - Provisão de Registro de Propriedade Marítima (PRPM) emitido pelo Tribunal Marítimo ou Documento Provisório de Propriedade (DPP), para embarcações de porte igual ou superior a cem AB.

Em resumo, quando o assunto é propriedade de embarcação, fala-se em inscrição para aquelas de arqueação bruta inferior a 100 TAB e registro para as de arqueação bruta superior a 100 TAB. Esse regramento está previsto nos artigos 2º a 5º da Lei 7.652/1988 e tem por finalidade determinar a nacionalidade, validade, segurança e publicidade da propriedade de embarcações. A seguir, transcrição de parte da Lei 7.652/1988:

Art. 2º O registro da propriedade tem por objeto estabelecer a nacionalidade, validade, segurança e publicidade da propriedade de embarcações.

Art. 3o As embarcações brasileiras, exceto as da Marinha de Guerra, serão inscritas na Capitania dos Portos ou órgão subordinado, em cuja jurisdição for domiciliado o proprietário ou armador ou onde for operar a embarcação. 

Parágrafo único. Será obrigatório o registro da propriedade no Tribunal Marítimo, se a embarcação possuir arqueação bruta superior a cem toneladas, para qualquer modalidade de navegação. (Incluído pela Lei nº 

Art. 4º A aquisição de uma embarcação pode ser feita através de sua construção ou de outro meio regular em direito permitido, mas a transmissão de sua propriedade só se consolida pelo registro no Tribunal Marítimo ou, para aquelas não sujeitas a esta exigência, pela inscrição na Capitania dos Portos ou órgão subordinado.

Art. 5º Ao proprietário da embarcação será expedida a Provisão de Registro da Propriedade Marítima ou o Título de Inscrição depois de ultimado o processo de registro ou de inscrição.

Parágrafo único. Presume-se proprietário a pessoa física ou jurídica em cujo nome estiver registrada ou inscrita a embarcação, conforme o caso.

Esse artigo, no entanto, deve receber um pequeno ajuste textual para compatibilização com o texto da lei. Consoante ao inciso I do art. 2º, há uma omissão da expressão "ou igual a" após o vocábulo "menor", na parte final da sentença. No que concerne ao inciso II, a parte final deverá ser suprimida a expressão  "porte igual ou", pois de acordo com o parágrafo único do art. 3º da Lei Nº 7.652/1988, averba que "será obrigatório o registro da propriedade no Tribunal Marítimo, se a embarcação possuir arqueação bruta superior a cem toneladas, para qualquer modalidade de navegação." No mesmo sentido, colaciona-se o item 0204 da NORMAM 02/DPC:

0204 - PRAZO PARA INSCRIÇÃO E REGISTRO

Os requerimentos para registro de embarcações com AB maior que 100 deverão ser efetuados de acordo com o previsto na Lei nº 7.652/88, alterada pela Lei nº 9774/98, no prazo de até 15 (quinze) dias contados da data: (...).

inscrição de embarcações com AB menor ou igual a 100 deverá ser efetivada na CP/DL/AG de jurisdição do proprietário em um prazo máximo de sessenta dias a partir da aquisição.

Sendo assim, o texto final que submeto à apreciação da Diretoria é:

Art. 2º A documentação comprobatória de inclusão ou alienação de embarcação consiste na apresentação de:

Título de Inscrição de Embarcação (TIE), acompanhado da Autorização para Transferência de Propriedade validada pela Capitania dos Portos, para embarcações de porte menor ou igual a cem toneladas de arqueação bruta (AB); e

Provisão de Registro de Propriedade Marítima (PRPM), emitida pelo Tribunal Marítimo ou Documento Provisório de Propriedade (DPP), para embarcações de porte superior a cem toneladas de arqueação bruta.

O artigo 3º, por sua vez, trata dos documentos necessários para embarcações afretadas a casco nu e, no meu entender, merece ser reavaliado no âmbito da Diretoria Colegiada. O texto proposto pela setorial técnica é o seguinte:

Art. 3º No caso de embarcação obtida por afretamento a casco nu, a comprovação dar-se-á mediante à apresentação de Contrato de Afretamento a Casco Nu, devidamente registrado, e de Termo de Entrega de Embarcação, bem como do documento de propriedade, nos termos do art. 2º.

Parágrafo único. O contrato de afretamento deverá ser registrado:

I - em Tabelionato de Notas ou em tabelião ou oficial de registro de contratos marítimos, conforme jurisdição da sede da empresa requerente, quando se tratar de embarcação de porte menor que cem AB;

II - em Tabelionato de Notas ou em tabelião ou oficial de registro de contratos marítimos, conforme jurisdição da sede da empresa requerente, e averbação no PRPM pelo Tribunal Marítimo, quando se tratar de embarcação de porte maior ou igual a cem AB.

De plano, é importante distinguir os conceitos de registro de propriedade, acima abordado, e registro de contratos marítimos. O registro de propriedade é tratado na Lei 7.652/1988 e visa definir quem é proprietário da embarcação. O registro de contratos marítimos é tratado na Lei 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), que dispõe sobre serviços notariais e de registro.

A Lei dos Cartórios, ao tratar dos cartórios marítimos, prevê a possibilidade de lavratura de atos referentes a transações com embarcações quando as partes devam ou queiram dar forma legal de escritura pública, bem como registrar documentos da mesma natureza, senão vejamos: 

Art. 10. Aos tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos compete:

I - lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações a que as partes devam ou queiram dar forma legal de escritura pública;

II - registrar os documentos da mesma natureza;

III - reconhecer firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo;

IV - expedir traslados e certidões.

Também merece destaque o artigo 33 da Lei 7.652/1988, inserido por força da Lei 9.774/1998, que dispõe que atos relativos a transferência de propriedade de embarcações poderiam ser lavrados por qualquer tabelião de notas.

Art. 33. Os atos relativos às promessas, cessões, compra e venda e outra qualquer modalidade de transferência de propriedade de embarcação sujeitas a registro serão feitas por escritura pública, lavrada por qualquer tabelião de notas. 

A Procuradoria Federal junto à ANTAQ chegou a apreciar o assunto e também fez destaque para essas diferenças (SEI 1137187):

12. Nessa acepção de registro (propriedade marítima), conforme o quadro a seguir [3] , é o registro geral da propriedade naval, da hipoteca naval e demais ônus sobre embarcações brasileiras e dos armadores de navios brasileiros.

(...)

16. Registro para a Lei nº 8.935/1994 (Lei dos Cartórios), conforme o quadro a seguir [3] , destina-se a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. MAS NÃO TRANSFERE A PROPRIEDADE DA EMBARCAÇÃO (que se dá pelo registro no Tribunal Marítimo / Capitania dos Portos).

(...)

20. Porém, como consta no sítio da Marinha do Brasil (https://www.marinha.mil.br/tm/?q=documentos_reb#), ao tratar dos Documentos Necessários para Registro (DA PROPRIEDADE MARÍTIMA), existem decisões judiciais que exigem, em determinadas localidades, que os negócios jurídicos e averbações atinentes às embarcações (CONTRATOS MARÍTIMOS) sejam lavrados especificamente em determinados Cartórios para posterior REGISTRO DA PROPRIEDADE MARÍTIMA. Confira-se:

(...)

23. Como visto, não cabe a Antaq regular quais os documentos comprobatórios da aquisição de embarcações. A aquisição pode ser feita das mais diversas maneiras (qualquer meio em direito permitido - contrato de compra e venda, formal de partilha (herança), etc... - art. 2º da Lei nº 7.652). Mas a propriedade da embarcação só se consolida com o registro no Tribunal Marítimo ou, para aquelas não sujeitas a esta exigência, pela inscrição na Capitania dos Portos ou órgão subordinado (art. 4º da Lei nº 7.652). E as alterações posteriores também são de competência do Tribunal Marítimo, a quem cabe regular a instrução dos processos de registro em geral (art. 35 da Lei nº 7.652).

A Associação dos Notários e Registradores do Brasil editou um documento que dispõe sobre o assunto de modo muito elucidativo, com a seguinte ilustração:

O tema chegou a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, que reafirmou a competência do Tribunal Marítimo para registro de propriedade marítima de embarcações e do Tabelião de Registro de Contratos Marítimos para lavrar atos e transações de embarcações:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. TRIBUNAL MARÍTIMO E TABELIÃO E OFICIAL DE REGISTRO DE CONTRATO MARÍTIMO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, I, DO CPC. INOCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE, POR ESTA CORTE, DA SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS.

1. Inexiste ofensa ao artigo 535, incisos I, do Código de Processo Civil, porquanto ausente qualquer obscuridade ou contradição no acórdão guerreado.

2. O Tribunal Marítimo possui atribuição para o registro de propriedade marítima, de direitos reais e de outros ônus que gravem embarcações brasileiras. Ao Tabelião de Registro de Contratos Marítimos, por sua vez, cabe lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações, registrando-os em sua própria serventia.

3. Embarcações com arqueação bruta inferior a cem toneladas não estão obrigadas a realizar o registro de propriedade, seja no Tribunal Marítimo, seja no Tabelião de Registro de Contrato Marítimo. Para essas embarcações, a inscrição junto à Capitania dos Portos, obrigatória para qualquer tipo ou tamanho de embarcação, é suficiente para comprovação de propriedade.

4. Descabe a esta Corte apreciar a alegada violação de dispositivos constitucionais em relação à abrangência territorial do Tabelião Marítimo, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp 864409- RJ, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, j. em 23/06/2009, DJe 01/07/2009).

O Diretor Wilson Pereira de Lima Filho, em seu pedido de vista, mencionou que, durante seu período enquanto Presidente do Tribunal Marítimo, formulou consulta à Advocacia-Geral da União a respeito do tema, a qual apresentou o Parecer n. 00875/2022/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU (NUP: 61229.004274/2022-10), lavrado em 05 de outubro de 2022, cuja ementa expressa:

EMENTA: I – Consulta sobre a desnecessidade de registro de contrato de afretamento no Cartório Marítimo do Rio de Janeiro, por não se tratar de transferência de propriedade e sobre a desnecessidade de registro no Cartório Marítimo do Rio de Janeiro quando uma das partes envolvidas possuírem domicílio fora do Estado do Rio de Janeiro, circunstância em que podem se valer de qualquer tabelionato de notas do domiciliado em outro Estado . II – Legislação temática: Lei 2.180/54, lei 7652/88; lei 432/97; lei 9.537/97; lei 7.203/84; lei 9.051/95. III-pela desnecessidade consultada e prosseguimento dos processos, nos termos deste Parecer, sem a necessidade de retorno dos Autos a esta e-CJU residual.

O retrocitado Parecer colaciona, além de outros acórdãos, o Recurso Especial 864.409-RJ, porém deixando consignada sua interpretação acerca dos contratos de afretamento, os quais são reproduzidos a seguir:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. TRIBUNAL MARÍTIMO E TABELIÃO E OFICIAL DE REGISTRO DE CONTRATO MARÍTIMO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, I, DO CPC. INOCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE, POR ESTA CORTE, DA SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. 1. Inexiste ofensa ao artigo 535, incisos I, do Código de Processo Civil, porquanto ausente qualquer obscuridade ou contradição no acórdão guerreado.

2 . O Tribunal Marítimo possui atribuição para o registro de propriedade marítima, de direitos reais e de outros ônus que gravem embarcações brasileiras. Ao Tabelião de Registro de Contratos Marítimos, por sua vez, cabe lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações, registrando-os em sua própria serventia.

3. Embarcações com arqueação bruta inferior a cem toneladas não estão obrigadas a realizar o registro de propriedade, seja no Tribunal Marítimo, seja no Tabelião de Registro de Contrato Marítimo. Para essas embarcações, a inscrição junto à Capitania dos Portos, obrigatória para qualquer tipo ou tamanho de embarcação, é suficiente para comprovação de propriedade.

4. Descabe a esta Corte apreciar a alegada violação de dispositivos constitucionais em relação à abrangência territorial do Tabelião Marítimo, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Recurso especial não conhecido. (REsp 864409/RJ, 4ª T., Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 01/07/2009) 

(...)

37. Vale dizer que, o Registro Especial Brasileiro é uma mera inscrição notarial ou cartorária comum, que, por força de lei, deve ser efetuada no Tribunal Marítimo, contudo, aqui o Tribunal Marítimo não age na sua função instrumental de transferir a propriedade, posto que o REB é um ato jurídico notarial para que o contrato valha ou seja eficaz contra terceiros( eficácia erga omnes), ou seja, uma função cartorária que, a bem de ver, poderia ser exercida por qualquer Órgão da Administração Pública que fosse, cuida-se, apenas, determinação legal para que o TM exerça essa função cartorária.

38. O conflito aparente de normas se dá pela natureza híbrida da função notarial do Tribunal Marítimo, a sua função típica fundada na lei 2.180/54 que é de natureza constitutiva de direito de propriedade de Navio (direito real), ao passo que, atipicamente, pode também ser de mera natureza declaratória de contrato ou obrigação( direito obrigacional -leia-se – contratos de afretamento), em ambos as hipóteses a eficácia do registro se torna oponível contra terceiros ( eficácia erga omnes), logo, em resposta à consulta OS CONTRATOS DE AFRETAMENTO DO REB NÃO ESTÃO SUJEITOS À REGISTRO NO CARTÓRIO MARÍTIMO, NÃO SE SUJEITAM À EFICÁCIA DA DECISÃO JUDICIAL NOS AUTOS DO PROCESSO nº 0027077-39.2005.4.02.5101 (2005.51.01.027077-9) DA JUSTIÇA FEDERAL – SEÇÃO JUDICÁRIA DO RIO DE JANEIRO

39. Salta aos olhos que o registro público tem o objetivo de descrever fatos jurídicos para os quais a legislação prevê a necessidade ou conveniência de garantir autenticidade, publicidade, segurança e eficácia, pela interpretação do artigo 10 da Lei 8.935/94, são dois os tipos de instrumentos que podem ser levados a registro: os que as partes são obrigadas, por lei, dar forma de escritura pública (como é o caso de uma compra e venda/transação de embarcação); os que as partes escolhem, em comum acordo e por mera liberalidade, dar forma de escritura pública (que poderia ser, por exemplo, um contrato de afretamento ou qualquer outro contrato, exceto o de compra e venda de embarcação)e no caso vertente, trata-se de Contrato de Afretamento a casco nu. Assim, pela própria natureza jurídica do contrato, não há qualquer relação com transferência de propriedade de embarcação, não havendo que se falar em exigência de registro. Ainda, as partes não possuem qualquer dever legal de conferir forma de escritura pública ao referido contrato para que ele seja válido e eficaz.

40. Repita-se, à guisa de conclusão da resposta que os contratos marítimos em geral e contatos de afretamento do REB em particular - NÃO SE SUJEITAM À EFICÁCIA DA DECISÃO JUDICIAL NOS AUTOS DO PROCESSO nº 0027077- 39.2005.4.02.5101 (2005.51.01.027077-9) DA JUSTIÇA FEDERAL – SEÇÃO JUDICÁRIA DO RIO DE JANEIRO, pois, essa lide cinge-se tão somente ao caso de transferência de propriedade da embarcação ou navio (as Capitanias dos Portos e Tribunal Marítimo estão, ex sententiae, compelidos a exigir o registro do instrumento do negócio jurídico – quando houver transação de embarcações junto ao Cartório Marítimo, ou seja, contratos obrigatórios de transmissão de propriedade, a decisão judicial em comento atribui à serventia do Cartório Marítimo competência para lavrar e registrar atos ou negócios jurídicos que envolvam compra-e-venda, troca ou alienação de embarcação, vale dizer, que implique em mudança de senhorio ou proprietário, (...)

54.Por todo o exposto, resguardados os juízos de conveniência, oportunidade e valorações econômicas e financeiras, não sujeitos ao crivo desta unidade consultiva, nos termos do art. 11, I e V, da Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, opina-se pela desnecessidade de registro de contrato de afretamento no Cartório Marítimo do Rio de Janeiro, por não se tratar de transferência de propriedade e, outrossim, opina-se pela desnecessidade de registro no Cartório Marítimo do Rio de Janeiro, quando uma das partes envolvidas possuírem domicílio fora do Estado do Rio de Janeiro, podendo nesse caso, utilizar qualquer tabelionato de notas do domiciliado em outro Estado, pelo seguimento do processo sem a necessidade de retorno a esta Consultoria, (...) 

Com efeito, o Parecer n. 00875/2022/ADVS/E-CJU/RESIDUAL/CGU/AGU foi direto ao ponto que se vislumbra regulamentar, com a mais pura clareza, pois contempla os contratos de afretamento, classificando-os como um direito obrigacional, portanto fora da obrigação legal estatuída no REB, para transferência de propriedades, que se circunscreve à seara dos direitos reais.

Outro ponto de destaque é que a ANTAQ é ré em uma ação judicial que visa obrigá-la a diligenciar, registrar e/ou exigir o registro no Ofício de Notas e Registros de Contratos Marítimos, na condição de autor, de documentos atinentes a embarcações no âmbito do Estado do Rio de Janeiro (Processo 00424.010206/2019-85 / 1026693-91.2018.4.01.3400).

Em princípio, foi proferida sentença de mérito favorável à pretensão do autor, nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO e EXTINGO O PROCESSO COM EXAME DO MÉRITO, com fulcro no art. 487, do CPC, para condenar a ré a diligenciar e passar a registrar e/ou a exigir o REGISTRO no Ofício de Notas e Registros de Contratos Marítimos de documentos referentes a atos de administração, fiscalização ou qualquer outro, de atribuição da ANTAQ, que de qualquer forma envolvam embarcações.

Foi interposto recurso de apelação, com efeito suspensivo, em face da referida decisão, de modo que, até o momento, inexiste ordem judicial que obrigue a Agência a dar cumprimento à sentença, como destacado pela Procuradoria Federal (SEI 1178778):

Cumpre ressaltar que não há pedido, muito menos qualquer tutela provisória deferida, a sentença ainda não transitou em julgado, não há autoecutoriedade e inexiste qualquer pedido de execução provisória da sentença.

Dessa forma, não existe a obrigação da ANTAQ cumprir a sentença proferida no momento, razão pela qual, torno sem efeito o Parecer de Força Executória encaminhado pelo OFÍCIO n. 01519/2020/GCM/ER-REGPRF1/PGF/AGU, a fim de que se restabeleça o status quo ante, informando que o feito já está recebendo acompanhamento prioritário, bem como será interposta apelação com pedido de efeito suspensivo, com a maior brevidade, com base nos subsídios recebidos.

O Diretor Wilson Pereira de Lima Filho também relatou a existência do Processo nº 0027077- 39.2005.4.02.5101 (2005.51.01.027077-9) da Justiça Federal – Seção Judiciária do Rio de Janeiro - TR2, acerca do qual a PRU2 tem patrocinado a União, cujo entendimento fora esposado no supracitado Parecer n. 00875/2022. Assim, é importante que o caso seja estudado, visando, se possível, a uniformização da jurisprudência a nível dos TRF.

Importante ressaltar que a Lei nº 7.652/1988 tratou apenas registro da propriedade marítima, dos direitos reais e demais ônus sobre embarcações e o registro de armador não contemplando o afretamento, cuja natureza é de direito obrigacional. Nesse viés, o vocábulo “cessão”, que compõe a redação do art. 33, da Lei nº 7.652/1988 deixa claro que o dispositivo legal está abarcando, de forma ampla, “qualquer modalidade de transferência de propriedade”, incluindo-se aí, os contratos de cessão de direitos, que conferem ao cessionário o direito de compra da embarcação. Mas, repise-se, nada comenta sobre o afretamento.

A Lei nº 7.652/1988, que dispõe sobre o Registro da Propriedade Marítima estabelece o seguinte:

Art. 1º Esta lei tem por finalidade regular o registro da propriedade marítima, dos direitos reais e demais ônus sobre embarcações e o registro de armador.

[...]

Art. 33. Os atos relativos às promessas, cessões, compra e venda e outra qualquer modalidade de transferência de propriedade de embarcação sujeitas a registro serão feitas por escritura pública, lavrada por qualquer tabelião de notas. (Redação dada pela Lei nº 9.774, de 1998)

O termo “cessão”, acima mencionado, não está a se referir, por exemplo, ao contrato de afretamento a casco nu, que se trata de cessão da posse, incluindo-se o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, conforme se verifica na definição do inciso III do art. 2º da Resolução Normativa ANTAQ Nº 1/2015.

Ademais, para facilitar a celebração desses negócios jurídicos (contratos de afretamento) entre as partes interessadas, há instrumentos contratuais padronizados, desenvolvidos pela Baltic and International Maritime Council (BIMCO), organização privada formada principalmente por armadores e operadores que atuam no ramo do transporte marítimo internacional, que têm por objetivo conferir maior celeridade, eficiência, dinamismo e segurança jurídica às relações contratuais (Migalhas Marítimas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-maritimas/349241/contratos-de-afretamento-de-embarcacao> Acesso em: 06 de junho de 2023).

Constata-se que para o registro no REB, o Decreto nº 2.256/1997 estabelece a necessidade de apresentação da “cópia do contrato de afretamento”, nada dispondo sobre eventual registro em cartório do mencionado documento.

Art 4º O pré-registro, o registro no REB e os seus cancelamentos serão feitos pelo Tribunal Marítimo. [...] § 3 o Para as embarcações estrangeiras afretadas a casco nu, com suspensão provisória de bandeira, o registro no REB estará condicionado à apresentação ao Tribunal Marítimo dos seguintes documentos: a) inscrição no registro dominial do país de origem; b) cópia do contrato de afretamento;

Ademais,  a Lei 8.935/1994 não estabeleceu a obrigação de registro em cartório dos atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações, da mesma forma que o Decreto  2.256/1997 exigiu apenas cópia do contrato de afretamento.

Feita essa breve contextualização, é possível depreender que não há comando legal, tampouco decisão judicial, que imponha à ANTAQ a obrigatoriedade de exigir que contratos de afretamento sejam registrados em cartório. Isso não impede, todavia, que a ANTAQ faça essa exigência se compreendê-la necessária para assegurar um ambiente regulatório adequado à boa prestação de serviços de transportes aquaviários.

Alguns normativos da Agência contêm previsão nesse sentido, como é o caso, a título de exemplo, da Resolução Normativa 05-ANTAQ, que prevê como requisito à obtenção de outorga na navegação de apoio marítimo, quando a empresa não for proprietária de embarcação, a apresentação de contrato de afretamento a casco nu, de prazo superior a um ano, registrado no competente tabelionato e averbado no documento de propriedade.

Art. 5º A empresa requerente, estabelecida na forma do art. 3º desta Norma, deverá atender aos seguintes requisitos técnicos, alternativamente:

(...)

II - apresentar contrato de afretamento de embarcação de propriedade de pessoa física residente e domiciliada no País ou de pessoa jurídica brasileira, a casco nu, adequada à navegação pretendida e em condição de operação comercial, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, celebrado com o proprietário da embarcação.

(...)

§ 2º O contrato de afretamento de que trata o inciso II do caput deste artigo deverá ser apresentado a esta Agência, devidamente averbado no respectivo documento de propriedade, e estar registrado no competente Tabelionato de Notas.

A situação é diferente na navegação interior, tendo em vista que a Resolução 80-ANTAQ, de forma mais flexível, estabelece que o contrato de afretamento pode ser registrado por instrumento particular ou público lavrado em qualquer tabelionato de notas:

Art. 41. O contrato de afretamento poderá ser registrado por instrumento particular ou público lavrado em qualquer Tabelionato de Notas, devendo ser apresentado à ANTAQ em original, em cópia simples ou digital, ou em cópia obtida em qualquer processo.

Retornando à Resolução Normativa 05-ANTAQ, cumpre notar que a norma, ao versar sobre modificação de frota, determina que a empresa deverá apresentar "documentação comprobatória", sem especificá-la. Essa é, inclusive, uma das razões que motivam a edição da instrução normativa em exame.

Nesse contexto, compreendo que a ANTAQ possui pelo menos duas opções de atuação. A primeira delas é estender a exigência de registro de contrato de afretamento a todas as embarcações, mesmo quando a empresa já for autorizada na forma de EBN. Essa é a proposta materializada na IN submetida à avaliação da Diretoria. A outra solução seria admitir que o registro do contrato de afretamento somente se justifica para o deferimento de outorga de autorização para operação como EBN, como uma espécie de barreira a eventual entrada exacerbada de empresas no mercado de navegação. sem instrumento adequado que garanta o usufruto de embarcação para prestação dos serviços por tempo razoável.

Em meu julgamento, a segunda opção merece ser acolhida, sobretudo em função do compromisso firmado por esta Agência com a redução do fardo regulatório e desburocratização do setor. Não considero razoável exigir que toda e qualquer EBN, para operar com embarcação afretada a casco nu, deva antes buscar um cartório para registrar o contrato firmado com a fretadora. Nada impede que as partes, por vontade própria, façam esse registro para conferir publicidade aos instrumentos celebrados, no entanto, não vejo razão para que a ANTAQ faça essa exigência para alteração do cadastro de frota das EBNs.

Aliás, foi justamente essa a postura adotada pela ANTAQ no recurso de apelação interposto no Processo 1026693-91.2018.4.01.3400. Senão vejamos:

Nesse sentido, constata-se que a ANTAQ requer dos entes regulados o registro dos títulos de propriedade, bem como dos contratos de afretamento a casco nu para fins de concessão de outorga.

Note-se que a ANTAQ, por iniciativa própria, adotou como critério a exigência de registro do contrato de afretamento exclusivamente para fins de concessão de outorga, dada a sua relevância para a comprovação de capacidade de realizar a prestação de serviço requerida.

Assim, para todas as demais relações contratuais que não envolvam transferência de propriedade, as partes contratantes, enquanto entes privados, são livres para dar ou não forma legal de escritura pública, exceto quando a lei assim exigir. E não havendo obrigação legal para que os particulares adotem a forma pública dos atos, tampouco poderia a ANTAQ fazê-lo. Este é o cerne da questão sob o prisma eminentemente regulatório.

(...)

Ou seja, o próprio legislador, dentro das balizas legais e razoáveis e, principalmente, no escopo da regulação, conferiu à ANTAQ a discricionariedade técnica para, de acordo com a necessidade para o desempenho de suas atividades, estabelecer o que deveria ser exigido dos interessados em se obter autorização do ente regulador. Foi nesse contexto e, portanto, dentro de suas competências, que a autarquia editou a Resolução Normativa nº 5- ANTAQ, de 23 de fevereiro de 2016.

Como se constata, a exigência de obrigar a ANTAQ a registrar todos os documentos relativos a atos de sua atribuição (envolvendo embarcações) constitui uma afronta à própria razão de existir da Agência, estabelecida pelo legislador como detentora de competência para celebrar atos de outorga e gerir os respectivos contratos e demais instrumentos administrativos, assim como descabida, por consequência, a obrigação de submeter todos os seus atos envolvendo embarcações ao registro em Cartório Marítimo, como se nenhum deles ostentasse força de ato jurídico perfeito.

(...)

A ANTAQ pode, por competência legal, estabelecer eventual obrigação às partes envolvidas em registrar os atos que venham a praticar envolvendo transação de embarcações quando integrantes da frota homologada pela Agência a operar em navegação por ela autorizada ou em processo de autorização.E isto, ressalte-se, foi feito na Resolução Normativa nº 5-ANTAQ, de 23 de fevereiro de 2016, especialmente em seu Anexo C (Requisitos técnicos; Embarcação afretada a casco nu), conforme será adiante analisado.

(...)

Encontra-se, portanto, sedimentado na Agência o entendimento de que somente contratos de afretamento a casco nu de embarcações com arqueação bruta maior que 100 devem ter seu registro formalizado perante o Cartório Marítimo. Entendimento, este, que está em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai da ementa do julgamento do Recurso Especial nº 864.409-RJ:

(...)

Concluiu-se, quanto a este item, que a ANTAQ, de fato, previu na RN 05/2016 a necessidade de registro no Tabelionato competente, mas o fez unicamente em relação aos contratos de afretamento a casco nu de embarcações com arqueação bruta maior que 100, em harmonia com o disposto na Lei nº 7.652/1998 e em consonância com o teor do item 3 da ementa do julgamento do Recurso Especial nº 864.409-RJ.

Nesse sentido, entendo que a redação do artigo 3º da minuta de instrução normativa deve ser ajustada, a fim de evitar a interpretação de que todos os contratos de afretamento devam ser registrados. A intenção é ter um texto mais flexível  e compatível com os demais normativos na Agência, abarcando a regra geral - que é a desnecessidade de registro de contratos de afretamento - e também eventual regra específica que demande o registro em cartório, como no caso dos requerimentos de outorga de autorização na forma da RN 05.

No mais, é importante consignar na instrução normativa a prerrogativa da Agência de, a depender da situação em concreto, em especial se houver dúvida razoável sobre a validade de determinado instrumento jurídico, determinar que o agente regulado providencie seu registro em tabelionato competente.

Com isso, em caso de fundado receio acerca da legitimidade de determinado contrato de afretamento, os servidores da ANTAQ estarão amparados e legitimados a demandar o registro do instrumento naquele caso específico, sem que isso possa afetar todo o setor de forma ampla e irrestrita.

É importante notar também que a expressão "obtida por afretamento" no caput do art. 3º deveria ser substituída por "afretada", porque a palavra "obtida" pressupõe a aquisição tanto definitiva (animus domini - a vontade de ser proprietário da coisa ou bem) quanto temporária (animus contrahendi - vontade de contratar), em contraste com a definição albergada na Resolução Normativa ANTAQ Nº 1/2015 no inciso III do art. 2º, pois a aquisição definitiva pressupõe as faculdades de usar, gozar e dispor do bem, ao contrário da posse que denota o anumus contrahendi de usar (controle da embarcação) e gozar do bem, por tempo determinado, sem aliená-lo a terceiros.

Art. 2º (...) III - afretamento a casco nu: contrato em virtude do qual o afretador tem a posse, o uso e o controle da embarcação, por tempo determinado, incluindo o direito de designar o comandante e a tripulação;

Por último, compreendo que não caberia indicar que o registro de contratos de afretamento deveria ser feito em cartórios marítimos, a depender da unidade da federação em que situada a sede da empresa, visto que não há lei federal em sentido estrito trazendo tal obrigação. É imperioso, trazer a lume, também, o art. 10, da Lei 8.935/1994:

Art. 10. Aos tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos compete:

I - lavrar os atos, contratos e instrumentos relativos a transações de embarcações a que as partes devam ou queiram dar forma legal de escritura pública;

II - registrar os documentos da mesma natureza;

III - reconhecer firmas em documentos destinados a fins de direito marítimo;

IV - expedir traslados e certidões.

Em síntese, portanto, manifesto o entendimento de que o artigo 3º da IN deve ser reescrito para que não seja universalizada a obrigação de registro de contratos de afretamento, passando a ter a seguinte redação:

Art. 3º No caso de embarcação afretada a casco nu, a comprovação dar-se-á mediante a apresentação de Contrato de Afretamento a Casco Nu e de Termo de Entrega de Embarcação, bem como do documento de propriedade, nos termos do art. 2º.

Parágrafo único. Não será necessário registro de contrato de afretamento em cartório, excetuadas as hipóteses previstas em lei ou ato normativo, bem como ressalvada a prerrogativa da ANTAQ de fazer essa exigência no caso concreto, quando compreender necessária à confirmação da validade do instrumento jurídico.

Na sequência, o artigo 4º trata de requerimentos formulados com base em embarcação com Registro Especial Brasileiro (REB), estabelecendo que o registro da autoridade marítima é um dos documentos necessários para comprovar a posse da embarcação:

Art. 4º No caso de requerimentos formulados com base em embarcação registrada no Registro Especial Brasileiro (REB), o respectivo registro emitido pela Autoridade Marítima integra o rol de documentos válidos para fins de comprovação da posse da embarcação.

O texto do referido artigo gerou certas dúvidas. Se o registro se referir ao REB, o registro é gerado pelo Tribunal Marítimo. Por outro lado, se a referência for a Autoridade Marítima, não se fala em REB, mas, por exemplo, em Atestado de Inscrição Temporária (AIT). Assim, considerando a primeira parte do art. 4º, sugere-se onde se lê pela Autoridade Marítima, deverá ser lido "pelo Tribunal Marítimo".

Destarte, tanto o documento de registro no REB, no Tribunal Marítimo, quanto aquele inscrito nas Capitanias, na Autoridade Marítima, poderiam servir como integrantes do rol de documentos válidos para fins de comprovação da posse da embarcação. Sendo assim, sugere-se a seguinte redação para o dispositivo do art. 4º:

Art. 4º No caso de requerimentos formulados com base em embarcação registrada no Registro Especial Brasileiro (REB), o respectivo registro emitido Tribunal Marítimo, e, quanto as embarcações inscritas  nas Capitanias dos Portos, a respectiva inscrição emitida pela Autoridade Marítima, ambos integram o rol de documentos válidos para fins de comprovação da posse da embarcação.

O artigo 5º dispõe sobre a comprovação da posse de embarcação:

Art.  5º A comprovação de posse da embarcação consistirá na documentação listada no art. 2º, acompanhada do ato de averbação da alienação fiduciária, do comodato ou de outra situação congênere no documento de propriedade correspondente.

Por último, passo a abordar o único ponto divergente entre as duas minutas, que é o texto do artigo 6º da versão endossada pela SRG, in verbis:

Art. 6º A SOG promoverá o cadastro de embarcações que se encontrem em processo de compra e venda, de alteração cadastral ou nas situações que caracterizem afretamento ou substituição de posse, de forma condicional pelo prazo de noventa dias, mediante apresentação da última versão do documento de propriedade listados no art. 2º e o Comprovante de Protocolo emitido pela Autoridade Marítima.

Depreende-se do referido dispositivo que a setorial de outorgas busca trazer uma solução regulatória pragmática para mitigar os problemas decorrentes de eventual morosidade na emissão dos documentos de propriedade elencados no artigo 2º.

A esse respeito, como bem pontuado pela setorial de outorgas, o mercado regulado é dinâmico e a posse de uma embarcação pode fazer a diferença na assinatura de um contrato ou na contabilização de tonelagem para fins de afretamento, motivo pelo qual é fundamental refletir sobre alternativas regulatórias aptas a minimizar prejuízos decorrentes de atraso na emissão de documentos de propriedade.

A postura proposta pela SOG encontra precedente na Agência, como se verifica no texto da Deliberação-DG 20/2020-ANTAQ, alterado pelo Acórdão 266/2021-ANTAQ (SEI 1338630):

(...) determinar à Superintendência de Outorgas (SOG) que adote a flexibilização de prazo para complementação dos documentos de propriedade exigidos nos normativos de navegação marítima e interior, no âmbito dos processos de outorga de autorização de EBN e de alteração de frota, que envolvam a apresentação de documentos que obrigatoriamente devam tramitar junto à Marinha do Brasil, oportunizando o prazo de 90 (noventa) dias para que as empresas enviem a documentação restante, a partir da apresentação de protocolo junto à Capitania dos Portos ou ao Tribunal Marítimo (de averbação de contrato de afretamento, de transferência de titularidade de embarcação, etc.), até o fim da pandemia de Covid-19 ou decisão superveniente da Agência"

Essa flexibilização foi considerada necessária para contornar o problema decorrente do prazo necessário para a emissão de documentos por parte da Marinha do Brasil, que passou por dificuldades durante a pandemia de Covid-19.

Outro exemplo de flexibilização adotada pela Agência refere-se ao Acórdão 98/2022-ANTAQ (SEI 1533915), por meio do qual foi autorizada a emissão de termo de liberação de operação a postos de combustíveis flutuantes, mesmo sem a apresentação do documento de disponibilidade de espaço em águas, desde que fosse demonstrado o protocolo junto à Secretaria do Patrimônio da União:

I - autorizar a Superintendência de Outorgas a emitir Termos de Liberação de Operação para postos de combustíveis flutuantes (pontões) quando estiver pendente apenas a certidão de disponibilidade de espaço em águas e desde que o requerente demonstre ter protocolado o pedido junto à Secretaria do Patrimônio da União, assinando prazo para que o documento seja apresentado à ANTAQ e sujeitando a empresa às penalidades cabíveis em caso de descumprimento injustificado;

O objetivo desta decisão foi justamente compatibilizar a dinamicidade do setor às particularidades e dificuldades experimentadas pelos agentes regulados na obtenção de documentos junto a outras autoridades públicas.

Em que pese a flexibilização tenha sido pensada para o período de pandemia, quando as atividades presenciais das autoridades marítimas ficaram significativamente prejudicadas, compreende-se que foi uma boa prática no setor e que merece ser estendida para viabilizar dinamicidade na análise de alterações de frota. A propósito, conforme levantamento realizado pela setorial técnica, há estados da federação cujo prazo entre a emissão do comprovante de protocolo e a do documento efetivo (PPRM, TIE ou DPP) ultrapassa quatro meses.

Dessa forma, acompanho a proposta apresentada pela Superintendência de Outorgas de inclusão do mencionado artigo 6º, no intuito de ponderar a realidade fática e o formalismo exigido para comprovação de posse e propriedade de embarcações.

É importante enfatizar que a Agência não está a inovar o ordenamento jurídico, nem admitindo documentos de propriedade não previstos em lei. A intenção da medida é assegurar a fluidez da prestação dos serviços e da própria atividade fiscalizatória da Agência enquanto estiver pendente algum documento cuja emissão dependa de providências administrativas da autoridade marítima.

A título de exemplo, podemos imaginar um caso de alienação de embarcação de uma EBN para outra. A EBN que vendeu a embarcação, e já não está mais em sua posse, poderia em tese perder sua autorização por não ter mais as condições necessárias à manutenção da outorga, mas poderia argumentar que ela ainda está em sua frota por causa do documento de propriedade. A outra EBN, apesar de estar em posse da embarcação, não poderia obter autorização para prestação de serviços de transporte aquaviário por não ter os documentos necessários. No fim, a prestação do serviço ficaria afetada, porque a embarcação precisaria ficar fora de circulação.

Por fim, ainda em relação ao artigo 6º, acolho a sugestão do Diretor Wilson Pereira de Lima Filho no sentido de ampliar o prazo sugerido pela setorial de outorgas. A proposta é que, para o registro de transferência de propriedade, seria adotado, por analogia, o prazo previsto no art. 11 da Lei  7.652/1988, que estabelece o prazo de um ano de validade para o registro provisório, permitindo-se a embarcação trafegar, enquanto o Tribunal Marítimo realiza o registro propriamente dito. No que diz respeito ao contrato de afretamento ou substituição de posse, o prazo de noventa dias também é restrito, se forem considerados dias corridos, pois não excluem finais de semana, feriados e recessos. 

Dessa forma, corroborando a proposta do Diretor Revisor, proponho a seguinte redação:

Art. 6º A SOG promoverá o cadastro provisório de embarcações que se encontrem em processo de compra e venda, de alteração cadastral ou nas situações que caracterizem afretamento ou substituição de posse, de forma condicional, mediante apresentação da última versão dos documentos de propriedade listados no art. 2º e dos Comprovantes de Protocolos emitidos pelo Tribunal Marítimo ou pela Autoridade Marítima, conforme o caso, pelos seguintes períodos:

I - de 1 (um) ano, para os processos de registro de compra e venda e de alteração cadastral; e

II - de (120) cento e vinte dias, para os processos de afretamento ou substituição de posse.

Por todo o exposto, ao considerar que a missão institucional da Agência de harmonizar o ambiente regulado também compreende a adoção de medidas destinadas a conciliar os aspectos formais à realidade fática, acolho a minuta de instrução normativa defendida pela Superintendência de Outorgas, com as modificações sugeridas neste voto, em especial no tocante à desnecessidade de registro de contratos de afretamento como regra geral.

Diante do exposto, VOTO para que seja aprovada a minuta de acórdão que submeto à apreciação desta Diretoria Colegiada.

EDUARDO NERY MACHADO FILHO

Diretor Relator


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Documento assinado eletronicamente por Eduardo Nery Machado Filho, Diretor-Geral, em 16/06/2023, às 14:42, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 1º, art. 6º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.


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Referência: Processo nº 50300.013149/2022-66 SEI nº 1902428